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terça-feira, 10 de agosto de 2010

Stultifera Navis



Stultifera Navis era um barco da Idade Média (a famosa Nau dos Loucos) que passava pelo Rio Reno recolhendo os loucos, os bêbados, os vagabundos, os anti-sociais e os patetas da família. (Em tempos de sobriedade punitiva, como diria Foucault, é melhor ficar louco).

É também um livro escrito por Sebastian Brant em 1494. Trata-se de um extenso poema que faz o inventário de 110 vícios morais e pretensões mundanas da época, tais como barulho dentro da igreja, casório por dinheiro, arrogância, etc. As descrições de Brant reunem-se no tema de um grande cortejo de loucos: todos são embarcados numa nau que navegará até a mítica "Narragônia", ilha em que seriam reunidos todos os vícios.

Contemporaneamente, a Nau dos Loucos adquiriu relativa visibilidade a partir de um autor célebre que expõe tal questão: Michel Foucault. Segundo Foucault, no capítulo I de História da Loucura, a Nau dos Loucos é uma mesma imagem que serve a duas experiências diversas da loucura: uma, expressa por exemplo em Bosch, Brueghel, Schonghauer e Durer, Foucault chama de "experiência trágica". A experiência trágica da loucura diz respeito à abertura do sábio às figuras da alteridade, que aparecem sob a forma de uma "invasão" de figuras do "outro mundo", "nesse" e de modo "chão". Há um conteúdo misterioso, uma sobredeterminação, um excedente de sentidos, na linguagem do louco. Tal tema da "invasão" da loucura mostra que ela possui saber - um saber do próprio mundo -, expresso em um conhecimento esotérico que diz respeito à verdade do próprio homem.

Já em Brant e Erasmo, a função da loucura é diversa, segundo Foucault. Não é mais "trágica", mas "crítica": a loucura não é sabedoria, mas irrisão; não demonstra nenhum ensinamento, mas é precisamente o oposto do ensinamento. A Nau de Brant trata de uma sátira moral, não a favor da loucura, mas contra ela: os poemas mostram pretensões inúteis, falsas, vãs, errôneas, vagas, e o ensinamento figura não sob algum segredo que possa ser contado pela loucura, mas na ironia daquele que não se deixa enganar. Esse é o conteúdo "pedagógico" das gravuras, que pode ser visto já na primeira, sobre o sábio. Conforme Foucault, esse elemento "crítico" da loucura prevalecerá sobre o "trágico", na história, em certo sentido abrindo o espaço em que serão tornadas possíveis as experiências modernas da loucura.

2 comentários:

  1. O tema me interessa desde a Faculdade de Comunicação. No meu blog está meu livro de poesia Sal em Bocas Secas, e no YouTube há um registro ao vivo da minha música, da minha interpretação de Stultifera Navis. Um abraço, Eduardo Barcellos Penteado.

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  2. http://eduardopenteado.blogspot.com.br/ e https://www.youtube.com/watch?v=cDHZzuUgZkk

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